sábado, 28 de maio de 2011

Fugaz

Ele ouve seu nome. São apenas dois metros, os passos parecem saltos. Escala a imensurável escada, chega ao topo. O palco, a ribalta, as luzes, o imenso público. O piano é de uma marca alemã, até então desconhecida. É como se fosse seus últimos momentos de vida. Tudo depende de uma boa apresentação.

 Olha os dedos, estrala-os com os braços arqueados em frente ao tórax. ‘’Estão rindo de mim’’, pensa. “Minha camisa deve estar amassada ou então a calça está torta”. Sofre. Ele sua a cântaros, sente cada gota escorrer pelo dorso e finalmente deitar-se no cós da calça.

 Chega o momento. Começa a música, o primeiro movimento já foi tocado. O músico começa a se desfazer do corpo, apenas suas mãos estão no piano. Desprendeu-se. Entra no piano. A principio os martelos o incomodam. Estão todos lá dentro. Não entende como coube tanta gente. Estranha o fato de todos que estão ali não estarem mais vivos. Seu avô, sentado a um canto, lê um livro sobre política. Sua avó faz biscoitos para receber os parentes, ectoplasmas familiares. Enfadado o avô larga o livro em um canto, saca o violão, escondido atrás do quinto martelo, e desenterra canções. A cada momento parece chegar mais convidados da suposta festa do além. Um antigo conviva da casa dos avós traz consigo uma caixa de fogos de artifício, sua esposa traz morangos. Um coral surge por detrás do décimo martelo, têm seus setenta anos coroando a música. Pensa ‘’Quem mais virá? Não caberá mais ninguém.” Alguém bate na madeira superior do piano, ele abre e, para seu espanto, é ele mesmo. De súbito volta para o seu corpo e toca o último acorde, o ar começa a faltar, uma dor fortíssima no peito, não escuta mais nada, apenas vê os movimentos desesperados do maestro. Um último suspiro, uma última visão semi-cerrada: uma bela jovem, um sorriso no canto dos lábios. Uma paixão que durou segundos e morreu com ele. Fugaz como sua apresentação. As cortinas se fecham para o artista. Não demora, abrem-se novamente. Uma harpista de roxo termina a composição que o pianista não terminara.

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